segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Imigrantes Digitais

03 de outubro de 2011
Educação no Brasil | Folha de S. Paulo | Saber | BR

Imigrantes digitais
Sergio Ranalli/Folhapress

A professora Elayne Stelmastchuck, que tem um projeto de Blogs com estudantes
Atual geração de professores enfrenta o desafio de aprender a mexer na internet e ensinar com poucos recursos disponíveisPATRÍCIA GOMES DE SÃO PAULO
Quando Maria de Lourdes d'Andrade, 49, começou a dar aulas, em 1989, ela só contava com os livros, o quadro negro e a voz. As provas, reproduzidas por mimeógrafo, cheiravam a álcool e os celulares ainda eram muito raros.
Hoje, a professora de ciências da rede municipal do Rio lida com outra realidade. O giz virou pincel atômico, as aulas ganharam auxílio de TV, vídeo e computador; a internet, tão conhecida dos alunos, aos poucos começa a fazer parte de sua rotina.
Maria de Lourdes é de uma geração chamada de "imigrante digital": teve contato com os computadores já na fase adulta e, agora, procura se adaptar a esse mundo.
"Assim que eu comprei o computador, eu tinha medo de mexer", afirmou a professora que, alguns cursos de informática depois, diz estar à vontade com a máquina, mas sem a agilidade dos alunos.
Maria de Lourdes não está sozinha. Como ela, 64% dos professores de português e matemática de 497 escolas públicas brasileiras acham que sabem mexer menos no computador que seus alunos.
A constatação é da pesquisa Cetic.br (Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação) sobre a apropriação das tecnologias nas aulas feita com 1.541 professores, 4.987 alunos, 497 diretores e 428 coordenadores pedagógicos.
Para Adriana Martinelli, coordenadora de Educação e Tecnologia do Instituto Ayrton Senna, é um momento paradigmático na educação. Pela primeira vez, o papel do professor, como o único detentor do conhecimento, está sendo questionado.
"Alunos e professores transitam entre os papéis de ensinar e aprender, principalmente quando trabalhamos com as novas tecnologias".
NOVO ENSINO
Para Martinelli, as tecnologias de informação trazem a necessidade uma nova forma de ensino. "É preciso que a inovação pedagógica acompanhe a tecnológica", disse.
Dados da pesquisa trazem um diagnóstico preocupante nesse quesito: as atividades em que os professores mais usam tecnologia são as que têm o centro no docente, sem interação, como exercícios de fixação e aula expositiva.
"A educação tem que ser cada vez mais trabalhada no sentido de partilhar", diz Marc Prensky, educador americano autor dos termos "imigrantes" e "nativos digitais".
Na busca por usar a tecnologia a seu favor, a professora Elayne Stelmastchuk, de Nova Fátima (360 km de Curitiba), propôs aos seus alunos da escola estadual Dr. Aloysio de Barros Tostes a criação de blogs temáticos. O sucesso foi tanto que outros alunos também resolveram criar blogs voltados para o estudo.
"Eles estão aprendendo que internet não é só Facebook e MSN. Estão usando a rede também para estudar."LIMITAÇÕES TÉCNICAS
Se a questão geracional pode ser um desafio na adoção das tecnologias na prática pedagógica cotidiana, a pesquisa aponta outro vilão para apenas 18% dos professores usarem a internet na sala: a falta de equipamentos adequados na rede pública.
Nas escolas participantes, havia, em média, 23 computadores à disposição dos alunos, dos quais 18 em funcionamento. Pelo censo escolar 2010, há 800 estudantes por escola. Cruzando-se os dois dados, dá a média de 44 alunos por computador.
Entre os professores pesquisados, 86% disseram que o pequeno número de máquinas atrapalha o uso da tecnologia no cotidiano. Apenas 4% das escolas têm computador em sala de aula -86% estão em laboratórios.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O falso tablet moderno - Ricardo Semler (Folha de SP)

As escolas ditas modernas passam de lousas digitais a laptop como se transferir conteúdo fosse inovação
MEU PROFESSOR de física contava que sua mãe tapava as tomadas para que a eletricidade não escapasse.
Na época, fervia o debate sobre o uso de calculadoras portáteis nas provas. Como no caso das réguas de cálculo nos anos 60 -escolas não queriam que os alunos usassem esse instrumento, criado em 1638! O tablet é sucessor disso tudo.
Discutir se deve ser usado em sala de aula é anacronismo. Como a calculadora, que era considerada um atalho, o tablet é visto como um truque sujo contra a cartilha.
Para professores e produtores de material didático, o tablet é uma oportunidade e uma ameaça. Reluz como possibilidade de falsa modernização, levando os conteudistas a formatar o mesmo currículo cansado, agora em vestimentas digitais.
As escolas ditas modernas passam conteúdo de lousas digitais para o laptop da meninada como se isso fosse inovação -e não apenas um uso patético do potencial digital.
Mas é também ameaça, porque o controle de conteúdo por meio de livros e métodos é uma moleza, comparado com ter um bicho digital que fala com o mundo todo.
Quem mexe com computador conhece o termo GIGO - "Garbage In, Garbage Out" (lixo entra, lixo sai). O entusiasmo inicial leva a alimentar o tablet com lixo analógico, para então gerar lixo digital.
A grande oportunidade do tablet é a de aposentar de vez a obsolescência que recheia os livros, cartilhas e material digital que as escolas impõem aos alunos, numa toada de tortura didática.
Fala-se exaustivamente da necessidade de reciclar e bonificar professores. E de tecnologia. Mas também não há evidência de que computadores fazem diferença. A OCDE já demonstrou que não. Óbvio: é GIGO.
Há que se aceitar a verdade aterrorizante: o tablet inaugura a substituição de parte dos professores e do currículo pelo mundo que foge do controle da escola.
Agora virá o mestre a distância, quiçá holográfico, e respondendo a perguntas. Será o melhor professor daquele assunto, em qualquer língua ou lugar -e não o melhor daquela rede ou escola.
O caminho de ouvir empresários e dar bônus aos professores em função de nota, por exemplo, demonstra como se está pensando a escola de trás para a frente.
Ora, dar gratificação ao professor para que gere boas notas em provas tacanhas, em apenas duas matérias, é o mesmo que dar comissão a corretor imobiliário para que venda aquele terreno micado, e não o mais difícil de mostrar.
Que venha o tablet, sucessor legítimo do progresso de 1638, e que se enterre o dirigismo didático.
Abaixo o estreito corredor dos livros e cartilhas.
Liberdade para as tomadas! Que deixem a eletricidade fluir, sem controle de voltagem.
RICARDO SEMLER, 52, é empresário. Foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Foi escolhido pelo Fórum Econômico de Davos como um dos Líderes Globais do Amanhã. Escreveu dois livros ("Virando a Própria Mesa" e "Você Está Louco') que venderam juntos 2 milhões de cópias em 34 línguas. Escreve a cada 14 dias neste espaço.